sábado, 31 de dezembro de 2011

TERSA

Tarde cinzenta!
A brisa fria já soprava, as nuvens densas escondiam a luz do sol e um sereno fininho começava a cair, quando Brito, o Poeta vagabundo, escutou dona Cesária, a fofoqueira mor da Vila Real, lhe gritar ao longe:
- Cuidado com a Cruviana Poetinha! Dizem que quem olha nos olhos dela fica com uma paixão triste para sempre! Cuidado!
Com um riso folgaz Brito replicou:
- Ela está precisando conhecer o homem mais irresistível desta cidade. Tenho certeza que a Cruviana é melhor que os anus tristes desta cidade. Esta cidade é cheia de mulher sem sal.
Sorrindo da resposta do Poetinha, dona Cesária fechou rapidamente as portas e as janelas da frente do casarão, ouvindo Brito dizer ainda uma última piada:
- Se a Cruviana vier eu convido ela para tomar uma dose deste bom Vinho comigo. Quero ver se ela resiste!
Os “aldeões” contavam uma lenda que dizia que nas tardes muito chuvosas, uma jovem viúva que morrera há muito tempo saía pelas ruas à procura do amado falecido e, se algum homem estivesse fora de casa neste momento e por ela fosse olhado, ficaria tão apaixonado por sua beleza que padeceria o resto da vida absorto, com os olhos perdidos, sem dizer nenhuma palavra, como alguém que perdeu a consciência e ficou em estado vegetativo.
Brito conhecia desde menino aquela lenda.
Filho de ilustre família, do qual era então o último representante; desde que morreram-lhe a esposa e a mãe em trágico acidente automobilístico, entregara-se a uma diuturna vida boêmia regada a vinho e á escrita de versos e contos que entregava no Semanário A Voz do Povo em troca de um punhado de dinheiro com que comprava o vinho, os cadernos e a tinta.
Apesar da atual condição de nobre mendigo, era reconhecido dentro e fora da cidade pelo que escrevia.
Na alta estação de turismo virava atração. Muitos acorriam á Praça Central para ouvir-lhe declamar os versos mais famosos, em saraus onde, além dele, estavam Nelson do chorinho, João da Flauta e o Borba mentiroso a contar seus causos absurdos.
Depois da rápida prosa com dona Cesária, buscou abrigo no coreto, que tinha um dos lados fechados e garantia um bom abrigo a alguém desprevenido ou imprudente durante as chuvas.
Embora fosse um bom bebedor de vinho este lhe cerrou os olhos em um profundo sono. Não viu quando começou a soprar de fato o forte vento frio e quando a intensa neblina tomou a ruas da cidade de tal forma que deixaria um nativo como ele perdido.
Acordou em hora já incerta; a névoa do tempo a confundir-se com a névoa da vista, ouvindo ao longe a musica Al Di La de Emilio Pericoli e uma doce voz feminina a recitar-lhe os versos de um de seus poemas chamado Senhora Melancolia:

Dia velado sob a luz prata.
A Melancolia saiu às ruas,
com o corpo vestido de névoa,
perfumado de doce aragem.

Há silêncio na sua passagem.
Devagar, passa, tão devagar,
que parece invisível,
que parece não passar.

Pelas ruas as portas se fecham.
Mesmo bela ninguém quer lhe ver.
Passa só, como jovem viúva,
cujo choro ninguém aplacou.

Choro plácido, gotículas frias,
em sereno que esfria o chão,
sempre à frente da jovem viúva,
do cortejo, lhe abrem caminho.

E a saudade que plange - lhe o peito,
lindo colo de mármore branco,
chega aos homens, que lânguidos ficam,
a buscar o calor que é possível!

Sempre folgazão, deu uma gostosa risada, sentou-se recostando-se na parede do fundo do coreto e disse:
- Boa noite Senhora Cruviana! Seja bem vinda misteriosa Senhora!
Para o espanto de Brito, que pensava que o que ouvira era mais um delírio do álcool, a doce voz feminina respondeu-lhe sorrindo:
- Boa noite Senhor José Hernando Aquiles de Brito, meu poeta predileto.
Levantando-se sobressaltado, Brito deu um grito de espanto e reunindo forças perguntou:
- Quem está aí?! Que brincadeira tola é essa? Com certeza não é uma mulher de respeito! Uma dama de respeito não estaria a estas horas fora de casa!
A luz da lua, num fenômeno extraordinário, rasgou o denso véu da neblina precisamente no coreto, permitindo ao poeta ver diante de si uma jovem de uns vinte e poucos anos, estatura alta, pele muito branca, cabelos muito negros, olhos castanhos e rosto gracioso como o de um anjo.
- Perdoe-me. Embora tenham me transformado em uma lenda, não deveria ter aparecido ao Senhor de forma tão velada.
Enlevado por aquela linda visão, Brito sentiu a adrenalina ser trocada em milésimos de segundo por endorfina.
Se aquele era o espectro da lenda, ela não era uma pílula dourada. Nunca vira mulher tão perfeitamente bela!
- Perdoe-me bela Senhora! Não tinha a intenção de vos ofender! É que muitos não respeitam a minha maneira de viver e não seria esta a primeira vez que alguém me faria uma brincadeira inconsequente.
- Não te exasperes! Sei que não o fizeste por mal!
Como sói a uma dama, aquela senhora estendeu-lhe a mão para ser beijada! Brito, olhando o gesto pensou se o que estava vivendo era real mesmo. Como beijaria a mão de uma mulher morta?
Como gostava de desafios, de experiências novas, levou sua mão à direção á da jovem dama e para mais espanto segurou e beijou uma mão macia, graciosa, quente e cheirosa.
- Porventura alguém morto, meu senhor, teria mão tão graciosa?!
Trêmulo de espanto e de enlevo Brito respondeu:
- Os mortos não têm o vosso encanto, Senhora. Mas perdoe ao cético poeta: Será que isto não é um delírio?!
Tomando um acúleo acutíssimo da trepadeira que se enroscava no coreto, a jovem senhora espetou o leito ungueal de um dos dedos de Brito que deu um grito de dor e retrucou:
- Ai! Ai! Deveras, minha senhora, ninguém que delira conseguiria ficar acordado após sentir semelhante dor!
Sem nada dizer, ela o observava com olhos de gata e um sorriso maroto, como uma criança que acabara de fazer uma peraltice com um amigo!
Seus olhos castanhos falavam muito mais que mil palavras. Eles expressavam confiança, cumplicidade, uma alegria calorosa, uma satisfação que só se tem quando se está com alguém muito amigo ou muito amado.
Com o gesto da dama que solicita o braço ao cavalheiro, convidou Brito a subir a escadaria da Igreja do Céu. Não teve dúvidas de que ele aceitaria prontamente.
A subida foi um desafio de duas crianças brincalhonas que corriam para ver quem chagava primeiro ao patamar da Igreja.
Lá em cima, resfolegando, com os braços apoiados na murada que contornava o patamar, sorrindo e buscando o fôlego, os dois se detiveram, em um instante de silêncio, a observar a névoa que cobria a cidade.
Sentando-se com as costas apoiadas na murada, puseram-se a observar o céu do único ponto da cidade em que a névoa não estava.
Brito propôs que se deitassem no chão do patamar e, pouco a pouco, começou a mostrar àquela femme coquine todas as constelações que dali se podia ver.
Ela, serelepe, comparava cada uma delas a algo que lhe parecia mais conveniente, enquanto o Poetinha deixava-se ficar absorto na contemplação dos seus olhos morenos, duas joias de âmbar, iluminadas pela luz do luar.
Quando os dela encontraram os olhos negros dele, foi como se o sol iluminasse a lua numa detida contemplação mútua, cujo enlevo conduziu irresistivelmente os lábios mimosos dela a beijarem em sôfrego, profundo e detido ósculo, os dele.
O poetinha sentiu como se um arrepio de energia eletrostática lhe percorresse todo o corpo que, pouco a pouco, tornou-se leve, tão leve, que parecia não mais existir ou mesmo fundido ao dela como se fossem um só, como se estivessem a flutuar pelas estrelas, conjugando-se em um arroubo tão ardoroso que nem Eros conceberia.
Sentia que aquela união crescia em ondas cada vez maiores que teriam um ápice, um êxtase que o pobre Baco nunca lhe dera nos maiores de seus delírios. Tudo ali era pleno: o perfume dela, a beleza de suas formas, o seu olhar de cumplice, seus murmúrios, seus beijos...
Ele, não mais tido como ser humano pelo povo da Vila Real, sentia-se naquela porção do espaço, muito maior do que os heróis gregos cujos nomes foram consagrados pelas estrelas: pleno em sua expressão de homem, simplesmente heroico por ter nos braços a sua musa, numa união que foi tomando tal intensidade ao ponto de prorromper em uma luz, cujo espaço era o do êxtase, do silêncio absoluto onde não havia conflitos, dor, cansaço, tristeza, angústia ou quaisquer faltas...
Ali, ele perguntou:
- Diz-me: qual é o teu nome?
- Chamo-me Tersa e há muito tempo te conhecia e te esperava.
A revelação do nome dela, a princípio trazendo-lhe grande satisfação, foi-lhe devolvendo vertiginosamente as dores do corpo e da vida, da qual parecia por alguns instantes ter fugido, dando-lhe uma sensação de estar caindo ou descendo de maneira brusca como tinha em seus pesadelos de criança.
Os sentidos, a princípio obnubilados, foram pouco a pouco retornando ao estado de vigília e mostrando-lhe um espaço familiar: o seu quarto onde dormira sozinho desde que a esposa morrera. Fazia muito tempo que não dormia em casa!
No travesseiro que era da esposa, repousava uma folha de papel e sobre esta uma flor de Liana.
Aquela folha era uma das páginas do caderno onde arquivava seus poemas e o que ali estava escrito era o seguinte poema:
ROMANCE NOTURNO
Beijei a boca da noite,
e ela contou-me os segredos:
de amores, esperas e vinhos;
de perdas, encontros e medos.

Quando ela me veio tão lânguida,
a pus nos meus braços de herói,
senti o seu corpo de cosmos
a me abrigar por inteiro.

Correram minhas mãos pela Noite,
corri o seu corpo inteiro,
despi sua veste de dama
fechada por sete botões.

E ela dançou para mim,
qual gata que brinca no cio,
no palco imenso dos astros,
suas formas de constelação.

E como tormenta perfeita
sorvi seu pescoço e seios,
perfumes, cabelos e colo,
calores, frios e raios,

girando em órbitas várias,
em êxtases, vórtices, vértices,
formas, não - formas, grandezas
luas, Quasares e estrelas

até uma nova explosão
que fez um outro universo,
selado por nossa união,
fechado por nossos SEGREDOS.

Para seu espanto, embora a letra fosse a sua, a última palavra estava escrita em uma graciosa letra e destacada em escrita maiúscula que não era a sua.
Alguém lhe pedia segredo. Ele sabia bem o que tinha vivido. Não contaria a qualquer mortal!
A lenda da Cruviana permaneceu como tal! Ninguém sabia que ele fora capaz de olhar à medusa e não ficar petrificado!
O último poema do caderno foi publicado! Mas ninguém suspeitava que ele o vivera!

SENHORA MELANCOLIA


Dia velado sob a luz prata.
A Melancolia saiu às ruas,
com o corpo vestido de névoa,
perfumado de doce aragem.

Há silêncio na sua passagem.
Devagar,passa, tão devagar,
que parece invisível,
que parece não passar.

Pelas ruas as portas se fecham.
Mesmo bela, niguém quer lhe ver.
Passa só, como jovem viúva,
cujo choro ninguém aplacou.

Choro plácido, gotículas frias,
em sereno que esfria o chão,
sempre à frente da jovem viúva,
do cortejo, lhe abrem caminho.

E a saudade que plange-lhe o peito,
lindo colo de mármore branco,
chega aos homens, que lânguidos ficam,
a buscar o calor que é possível!

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

INSEGUENDO L'AQUILA (MANGO PINO)

Sorvolai le bianche città del mistero
virando poi su abissi e strapiombi verdissimi…
inseguendo l'aquila… inseguendo me…
Mi trovai ai limiti del mio pensiero
a un passo ormai
dal punto più estremo dell'anima…
inseguendo l'aquila… inseguendo me…

Volai da qui
sopra il tempo che ho visto già
sopra il tempo che verrà
in fondo al sole…
volai da qui
nella verità… nella solitudine…
nei silenzi miei…
dove neanche tu ci sei…
volai da qui…

Mi svegliai nell'altra metà di quel cielo
sfiorando poi le mie sensazioni più intime…
inseguendo l'aquila… inseguendo me…

Sopra il tempo che ho visto già
sopra il tempo che verrà
in fondo al sole…
inseguendo l'aquila… inseguendo me…
volai da qui
inseguendo l'aquila… inseguendo me…
volai da qui…
inseguendo l'aquila… inseguendo me…
volai da qui…
inseguendo l'aquila… inseguendo me…

MANGO PINO
volai da qui…

ADEUSES À LIRA

Melancolia e tédio,
autocomiseração,
rancor, remorso
e tristeza,
companheiros da Lira,
da espera em vão!

Não peçam que eu fique,
que espere por ela,
se existisse viria,
se o fosse ainda era.

Foi em vão o caminho!
Nele eu me perdi.
Sou filho do céu,
para as alturas nasci.

Vou abrir minhas asas.
Vou olhar para cima.
Vou planar sem ter medo
de olhar tudo do alto.

Os realistas me esperam!
Os sofistas me aguardam!
Têm razão os de Kant!
Descontrua as mentiras!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O ARLEQUIM


Tenho sóis marcados em minha mão.
Uma lua brinca no meu rosto.
Minha mente é feita só de nuvens.
Os meus olhos chovem todo dia.

Os meus pés viajam sem cansar,
pelas terra da imaginação.
Bem melhor que sondas e satélites,
é minha mente sempre criativa

que descobre mundos invisíveis,
outros planos, formas e viventes;
traça mapas, acha endereços,
cria redes, teias intangíveis.

Minha boca tudo analisa,
já comi um mundo numa mordida,
como um grande e imenso brigadeiro,
para o digerir e recriar.

Eu sorrio sempre, nunca esqueço,
não me preocupo, se os homens,
"descolados", sábios e folgazes
não entendem minha alegria.

No meu coração há um amor,
que embora foi, mas me deixou,
a saudade, a dor e a melodia,
cuja letra guardo bem inscrita
nestas cicatrizes bem talhadas.

A memória é um largo rio,
que navego ágil, sem penar,
mesmo contra as grandes correntezas,
monstros,dores, ânsias e fantasmas.

Minha história é livro que releio.
Minha vida é única, é mistério.
Quando penso que já compreendo,
Deus me mostra ser só o começo.

Muitos anti - heróis já perdoei,
já desconstruí grandes figuras,
apertei a mão dos desafetos,
revoguei setenças que fechei.

E me resta a grande epopéia
de vencer as feras interiores.
De subir, sou bom, é inegável.
De descer, o medo, me consome.

O que sou está no mais profundo.
Desonheço e temo,
temo e quero,
se o quero posso,
até breve!

domingo, 25 de dezembro de 2011

QUESTÃO

A espera de nós,
no regato de estrelas,
correnteza de lágrimas,
melancólicas gotas.

Contra a correnteza
me arrasta a razão.
Contra o coração
me carrega o tempo.

Na vertente operosa
descem as ilusões;
e a verdade que fica
é remédio amargo
para os corações.

É inexorável!
Obedece à Lei Divina!
Quem se entrega a correnteza
nada mais possui de si.

Clamam por mim os remidos,
os renascidos me esperam,
o escoar da areia,
divida antiga interpela!

Todos se foram.
Eu fiquei.
Todos venceram.
Ainda não arrisquei.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

ESTRELA


Tocando sua flauta,
por entre as aléias,
eu vi a Magdala
de tranças compridas!

Passou exalando
seu doce perfume,
de essência de mel,
madeiras e Nardo.

E qual um besouro
segui o seu rastro,
de música e cheiro,
belezas e encantos.

Eu vi Madalena
banhar-se no lago
e no plenilúnio
que a lua emanava.

Seu corpo de astro
me arrebatou
em dança de enlevo,
de êxtase extremo.

Meu corpo pequeno
se agigantou,
meus sete sentidos
foram elevados.

Nenhuma palavra
era necessária,
arquétipo algum,
descrever, podia.

Já inexistia
espaço ou limites,
castigo ou crime,
mentira ou engano.

As trevas banidas,
já não existiam,
deixando entrever
a última porta.

A porta das horas,
palácio de Cronos,
limite guardado
por dez guardiões.

Ali seu sorriso,
cegou-me os olhos,
e quando acordei
o dia ia alto!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

BALADA DO CORAÇÃO PERDIDO


Meu coração censurado
esqueceu o que é ser feliz,
bate só por que tem que bater,
em compasso que lembra o do fado.

Enfadado coração,
apostou e perdeu muitas vezes,
bem pior do que o filho pródigo,
apesar de caído em sí
retornar, ainda, não conseguiu.

Como sofre o coração
quando vaga sem destino,
sem saber a vocação
do amor que traz em sí.

Não repousa,
não descansa,
vive em ânsias,
sem motivos,
melancólico!


Mas das fibras,
uma voz,
doce impulso,
lhe vibrou:

"levantar-me-ei agora,
é preciso que eu retorne
aos abraços do Amor,
Oceano do qual sou
uma simples gota d'água!"

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

VERSO FOLGAZ


Ave verso desvairado,
sem eira nem beira,
verso desarrumado,
verso travesso!

Verso menino,
lúdico, ledo,
lépido sátiro,
a folgazar,

entrou pelos campos
de minha seara
como um saltimbanco
para espantar

os anus tristonhos
que estavam a grasnar,
cantando seus fados,
comendo meu milho.

Ave verso inocente!
Pegou minha mão,
levou-me consigo,
me desisntalou!

E corremos juntos
os campos imensos,
como,fossem eles,
conosco, um só!

Colhemos as flores,
tecemos coroas,
cantamos as loas,
bebemos das fontes!

Subimos os montes,
chegamos no véu,
sentamos no céu,
pescamos estrelas!

Dormimos cansados,
ouvindo o murmúrio,
das fontes do cimo
do frade gigante!

TOME POESIA!



I

Sente comigo,
beba poesia,
tenha alegria
ou uma tristeza.

Bonita tristeza,
daquelas poéticas,
imensas, patéticas,
amargas, vazias.

Quem bebe poesia
não se embriaga,
se inspira,
se enleva.

E quem se enleva,
a vida traduz,
na arte do verbo,
em êxtase doce!

II

Sentei-me ébrio na esquina da vida.
Fechei os olhos para ouvir as estrofes.
Toquei o ar para sentir -lhe as métricas.
Assoviei para acertar - lhe as rimas.

Os que passavam me tomavam por louco.
Quem me chamava me encontrava abosorto.
De mim sorriram os 'normóides felizes'.
Todos os loucos compreenderam a hora.

Quando acordei já ia alto o dia!
Sem dor, remorso e sem melancolia!
E perguntei-me: eu ainda ando ébrio?!
É que o poeta está na poesia!

"ÉS COMO A FIGUEIRA ESTÉRIL!"



I

Em noite de lua plena
vieram segredar-me as falenas:
"Tersa voltou!" "Tersa voltou!"
E os pés desobedientes
seguiram o coração!

De repente voltaram-me as asas,
a aura dos sonhos,
a lira de prata
e a pena dos versos.

Os ecos das montanhas
sussurraram abismados:
aonde andava Ácquila?
Porque agora voltou ?

O Sol brilhou surpreso,
arregalando os olhos
de tão estupefato,
por rever o velho amigo.

As estrelas espiaram
das janelas de seus quartos,
e o boato do retorno
desconheceu os anos - luz...

De repente fez-se silêncio:
de expectativa, de espera,
de torcida,de bons votos,
de esperança...

E o topo do velho carvalho
como palco de ópera intensa,
ao redor de si concentrava
o Universo de seres e astros.


II

ACQUILA: Sentado no velho carvalho,
eu toco minha Lira de outrora,
dizei-me, perfeita Senhora,
O Lírio do vento ainda vive?

TERSA: Indagas por versos de outrora,
mil versos vividos, gravados.
Só eu os conheço porque
os trago no meu coração
com dor, com tristeza e desgosto.

São, nada mais do que versos.
Canção para distrair,
choramingo pueril,
pílula dourada!

ÁCQUILA: Se são fantasias meus versos,
canção, choramingo pueril;
porque os guardaste consigo
desde aquele maldito Abril?

TERSA: Pra dizer-te em um último verso,
que a mim nenhum fruto trouxeste,
és estéril tal qual a figueira
que, podendo, nenhum fruto dá.

Descobrindo o véu,disse isso,
puro véu de uma primeira lã;
e me olhou com os seus sóis de outono,
tão austera que desconheci
quem outrora eu amara primeiro!

Me caíram a aura e as asas,
minha Lira se desafinou,
minha pena levou-me o vento
e meu rosto, de réu, se tornou!

Outra vez me fitaram seus olhos,
'nunca mais', 'nunca mais' - me disseram;
e os meus ombros, curvados, pesaram;
com o jugo que agora carrego!

Como aquele que encerra a cena,
no escuro, deixando o palco,
recolheu os seus raios, bom Hélio,
na cortina de rápido eclipse,
me poupando o vexame Astral.

Quando a Lua voltou a olhar-me,
a Senhora já tinha ido embora.
O silêncio, outrora de espera,
meneou a cabeça e partiu!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

RITUAL


Banho do espírito.
Pra mente: café.
Pro frio: agasalho.
ao âmago: a sopa.

Pro corpo:
leveza,
liberdade,
expressão,
sem maldade nenhuma.

Aos cabelos: afago.
O rosto: pede beijos.
O pescoço é como flor
que se conhece cheirando.

A noite é sinfonia,
pra se ouvir: requer silêncio.
Sua música inspira
o desejo de guardar-se

em amplexos amantes
cuja tenda não se fecha,
aguardando o retorno
do que conhece a senha.

PAREDES DE ABRAÇOS ROMPIDAS


Lindo espelho!
Nele me vi,
nele sonhei,
por ele vivi.

Espelho d'água,
de águas verdes,
manhãs amenas,
tardes serenas
e noites austrais.

Nas tuas águas previdentes,
encantado com a beleza,
transportado de leveza
eu sonhei felicidades.

Em tuas luzes, teus matizes,
fui menino, fui herói,
fui o homem que sonhaste
no mais profundo do teu âmago.

Mas cansada, deixaste,
ficarem opacas tuas águas,
escuros os teus horizontes,
violentos os ventos da tarde.

Confusa, copiosa, choraste,
tuas chuvas de dor, de saudade,
a fim de voltar a correr
no rio de onde vieste.

E fez-se tamanha intempérie,
de ventos, açoites e vagas,
que minhas paredes de abraços
romperam-se em triste partida.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

BEIJA-ME!

Beija-me!
Beija-me urgentemente!
Sou teu cúmplice confesso,
réu contigo, sem pudor!

Beija-me!
Beija-me urgentemente!
Enleva-me até o céu do teu céu,
faça-me ver estrelas!

Estou na hora zero,
aguardo teu disparo,
em ânsia contida,
prestes a explodir.

Sou o caos do nada,
tela pro teu tudo,
Oh Éden de delícias,
beleza imaculada!

Beija-me!
Beija-me veementemente,
acalma esta sofreguidão,
nesta sinestesia,
doce confusão!

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

POEMA DO HIBERNÁCULO


Fiquei sem luar!
Tristeza profunda,
sem a luz serena
do vosso olhar!

Serena a minha alma,
gotas invisíveis,
nos canteiros dos antúrios
nas corolas dos jasmins!

Estou taciturno,
e de meu céu soturno
precipita-se agora
chuva intensa de Maio.

Pelas ruas que fervem
calefazem-se as gotas,
e o vapor, qual incenso,
vai liberto ao céu

pra de lá retornar
em cortinas de névoas,
que às horas alongam
até o quase - eterno

que à mente adormece,
em um doce torpor,
ao que dorme esquecido
lá no alto hibernáculo.

ULTIMATO


Na seta de retesado arco
pus a minha tese "incerta"!
Disparei no que achava
ser o alvo mais sensato!

Hora extrema, decisiva,
inqueria e inquiria - me:
ser ferido ou ferir?
deixar ficar ou partir?

Sete acertos, sete glórias,
sete erros: solidão.
Vida a esmo, vida inglória;
é melhor "descer a carga"
e "parar o caminhão"!

BRANCOS VERSOS DE UMA DESPEDIDA


Como consolar teus olhos tristonhos,
se sou tua tristeza
e da tua amargura
razão, já, sem par?

Sou um bom lobo,
mas sou lobo!
Bom ladrão perdoado,
mas ladrão!

Como posso devolver o que foi doado?
Horas investidas,
vida empregada,
renúncias vividas!

O que se dá no amor não volta,
deixa marca indelevel,
como a ferida profunda
deixa a cicatriz.

Passei, mas não lhe fiz o bem.
Sonhei e não realizei.
Frustrei teu viço, jovem flor!
E fico, pra que possas ir!

O que pode dar o parasita?
Não tem vida própria,
não governa a si,
receber, só sabe!

Deixo-te partir para que não morras!
Eu cá fico para me transfigurar!
Voltarei um dia; ser de vida própria,
com a vida em minha mãos para te entregar!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

MINÚSCULO ANÚNCIO


Alívio a leves prestações!
Para todos os males
tenho soluções
que o mundo incréu

diz ignorar,
porque evoluiu
das trevas de outrora
quando não sabía:

viver pra comer,
beber pra esquecer,
ganhar para ser,
transar pra morrer,

suar pra perder
"a forma indigna",
"feiúra sem par",
"pura anacronia"!

Matar pra ganhar,
provar ser mais forte,
fugindo da morte
que espreita na esquina!

Vinde a mim
vós que estais cansados,
carregando fardos,
querendo ganhar

um segundo a mais,
pepita de paz,
garimpada com dor,
em sôfrega ânsia aflita!

Vinde a mim que sou a seta,
tomai esta senda reta,
bebei Desta água pura,
descansem na sua relva.

Tereis vós o seu silêncio,
seus olhos castanho - plenos,
qual tarde de inverno amena,
serena, suave e boa.

Ao longe, braços abertos,
esperam tua chegada,
como o vigia espera
da aurora a alvorada!

domingo, 27 de novembro de 2011

SEGREDO CONTIDO


Queria publicar o impublicável,
narrar o que não posso,
não por ser inenarrável,
mas porque tenho uma dúvida,

se o que trago, cá em mim,
é real ou é possível,
de vir à minha vida
como velha boa - nova!

Ai que bom seria agora,
ser ave migratória
que me retornasse ao ninho,
a que aprendeu voar.

Ah quão bom seria ouvir
seus arrulhos companheiros
me dizendo que não sou
tão estranho quanto penso!

Mas ainda cá comigo
não possuo lar ou trilhos,
nem sequer nas mãos um calo
a provar objetivos.

Vivo à toa, de cantigas,
só de planos, sou boêmio,
faço versos, melodias,
me abstenho e durmo cedo!

Muito embora desprezível,
sou devoto e fiel,
vagabundo sonhador
capaz de colher mil flores

que encontro no caminho
quando vou comprar o pão,
pão do dia, pão da vez,
pão melhor a cada dia!

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

PARA A MULHER ESTELAR


Foram dois verões e um sol.
Um só mar azul e dois céus.
Mil estrelas luzem no véu
de uma noite que não passou.

E a mim restou recordar,
teu olhar de lua e teu mar,
onde naveguei a mirar
teu colo adornado de estrelas.

Jóia rara, rica visão,
configuração estelar,
em alinhamento soberbo,
obra prima, arte sem par

em um corpo negro e nu,
versos de mistério em poema,
de perfeitas rimas e métrica
que os mortais não podem cantar.

Eu contar quisera e não sei,
as estrelas que te adornavam.
Eu cantar quisera e não pude,
o teu corpo nu, no luar;

para ver se a mim tu voltavas,
se te alcançava no céu,
ou te descobria o veú
pra de novo ver teu olhar!

CRISE



Ardi:
de febre nova ao sol,
em meio ao frio dos vales
que ficam no alto sul!

Ninguém me viu tiritar no paradoxo!
Não há pior tortura pra alma,
ocidental alma inquieta,
que não dispor de uma régua

para medir os fenômenos,
oferecer prolegômenos,
precisar os espaços
e dominar os mistérios!

Era um fogo!
Misterioso fogo inquieto!
E eu julgava delirar, morrer
vezes de frio, vezes de calor
em equinócio de hemisfério incerto!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

SEMENTES, FRUTOS E FLOR!


Para onde foi a semente?
Sente saudades o fruto!
E o que foi feito da flor?
ofereceu o insenso

do perfume exalado,
do polén doado,
da beleza exposta,
das cores que alegraram

quem teve tempo de olhar,
de cismar pasmado,
respirar profundo
e fechar os olhos!

E como se não bastasse,
murchando - lhe a beleza,
cessando-lhe o olor,
embalou-se em um útero

tornou-se um conjunto de múltiplos,
adornou-se de belo aspecto
para dar aos sentidos restantes
a textura,o desejo e o sabor.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

CONFESSA!


Confessa!
Não há mais laços e gumes,
heróis ou vilões,
perigos ou danos.

Estamos longe!
De tudo e de todos,
em um "enfim sós"
há muito esperado!

Desata os nós:
da alma,
da boca,
dos braços,

dos pés,
do corpo,
da mente
e da roupa.

Deixa vir à tona
o verbo contido,
os versos reprimidos
e os sussurros inexprimíveis.

Deixa reagir:
a alma encantada,
a boca que é beijada,
os braços desejosos,

os ansiosos pés,
o corpo que se expressa,
a mente que arquiteta
e a roupa que revela.

Será como um rio preso
que a muito desejava
correr ao oceano
pra ser plenificado.

Será como a ave liberta
que cantava suas agruras
com saudade das alturas,
presa por visgo confuso...

terça-feira, 22 de novembro de 2011

PRECE AO SANTO PAPEL


Santo leito branco:
benditos são os teus amplexos,
ditosos os teus horizontes
e afável é o teu refúgio.

Nunca me falte desta árvore,
abundantes sejam suas folhas,
fortes sejam suas raízes,
para que o vento não me leve!

Humilde leito branco:
perdoai-me as chagas que vos causo
pelas palavras amarrotadas
que minha mente em vós derrama.

E os meus segredos de degredado
de que vos tenho maculado,
deixai que a traça, o tempo e o fogo
os silenciem na eternidade!

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

EM UM PALO



Em um palo dorido,
sob a pala da noite,
contorcia-se aos sons
dos bandolins encantados.

Dormia,
mas foi despertada,
ao soar a Solería,
das fibras sonoras

do peito magoado
que os dedos movia
nas revoluções
dos acordes chorados.

Veio
como a mariposa
para a lâmpada fosca
do salão alumbrado.

E morreu
no silêncio da noite,
branca, lívia, risonha
desolada e etérea.

sábado, 19 de novembro de 2011

POEMA DO PÃO E DO DIA



O dia de hoje é um mundo!
E o de amanhã é um outro!
Cada dia que vem é imenso!
Bom é viver um por vez!

O pão da hora é o bom.
Nem sempre o de ontem, se come.
O de amanhã está cru,
mas virá pelas mãos que o faz

na hora certa e na justa medida,
pelo passo, a prece e a fé,
esperando as mãos estendidas
e na vida aberta, acolhida.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

BUSCA



Quero a Palavra nova,
Palavra eterna,
de Sentido pleno,
Lume sem igual.

Onde está o arauto?
E o Mensageiro?
Maior que a espera,
é o silêncio - verbo.

Quero a novidade,
novidade eterna,
que constrói a vida
e consola o peito.

Sonho com seu rosto,
mesmo sem ter visto.
Já não durmo mais,
orando, vigio.

Venha sem demora,
oh Palavra Nova,
trazendo tua vida,
teu tempo, tuas cores.

Minha alma grita,
clamando, pedindo
o bem que lhe trazes,
tão desconhecido.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

POEMA PARA UM GATO PARDO


Eu era dos gatos,
de todos, o mais pardo,
confuso e misturado,
mesclado e invisível!

De cima dos telhados
"mandava meu terror",
confuso e misturado,
mesclado e invisível!

Meus passos de malandro,
suaves e macios,
nem mesmo ouvia a brisa,
que eu, mais misturada!

A noite, noite breu;
que a tudo dominava,
ficou atordoada,
confusa e misturada,

pensando que os meus olhos
eram dois pirilampos
safados, vagabundos
confusos e mesclados!

E ouviu quando sorri,
meu riso telegráfico,
sentindo arrepios
com o frio do meu hálito

cetônico e torpe,
etílico e doce,
básico e volátil
confuso e mesclado!

CONSEQÜÊNCIA



Lira leve,
leve ira,
irá leve,
mas irá,

sete versos,
sete miras,
sete setas,
sete vidas

acertar
silenciosa,
como a áspide
escondida.


Quem alterou o que estava já certo,
Quem perturbou o que estava quieto,
Quem invadiu o que era proibido,
surtou o instinto que estava escondido!

Será possuido de grande pavor,
será consumido de grande temor,
será perspassado de grande estupor
da imensa perfídia que lhe atingiu.

Ficará na estrada da vida
catatônico, inerte, iníquo,
monumento horrendo, terrível,
qual sinal, qual um grave aviso!

sábado, 12 de novembro de 2011

MANTÉM TUA LUZ


A solidão soou o sinal!
Dobram os sinos saudosos nos cimos
das torres eternas do templo da alma
que busca o Ézer a muito perdido.

Ressoa o sinal vibrando as fibras,
os átrios, medulas, junturas e pele;
clamando, pedindo, chorando, bramindo
qual chão sequioso no sol sob o sol.

É grande o vácuo, imensa a distância;
domina o espaço, e a amplidão
maltrata, na espera, quem é limitado,
querendo sem ter, ainda, alcançado.

Por isso, nas trevas, mantém tua luz
com óleo vivaz do amor por amor,
da paz pela paz, vida por vida,
da fé pela fé que não desanima.

Então tu verás o que te dizia,
na noite escura, desértica e fria:
ao longe mil luzes enxergam a tua,
alegres por já não estarem sozinhas.

Uma luz que se acende: a outras anima.
Uma luz que é mantida: se torna um guia.
Se mantém sua vigília, defende a vida.
Se a outras acolhe, se torna um farol.

O FANTASMA


No ermo do tema,
de cena sem fim,
buscou-se um termo
que desse uma forma

ao ser que buscava,
saber quem o era,
de onde provinha
e de onde viera.

Estava revolto,
disperso, imenso,
na atmosfera
dos séculos vindos.

Com eles viera,
Perdido, confuso,
sem eira, nem beira,
nem era ou hora;

vagando sem rumo,
nas vagas do tempo,
roubou as areias,
troçando de Cronos.

Passou invisível
aos olhos de todos
que em vão se diziam
ser donos do espaço.

HELENA


Deixei-me ficar encantado!
Como não o poderia!
Palavras são poucas para descrever - te,
tu és poesia que Deus traduziu,
e eu, pobre poeta, não sei expressar.

Vejo versos em teus cabelos morenos,
rimas soltas no teu caminhar;
teu sorriso: canção de enlevo,
fez –me ébrio de tanto sonhar

possuir teus acordes, tuas métricas,
teu perfume, teu beijo, teu corpo,
teus abraços, carícias e gozos:
um poema além do poema

que minha alma imensa vislumbra,
com antolhos de fita emoção,
em um êxtase longo e celeste,
um desejo de urgente assunção

para a luz dos teus olhos de mel,
qual uma tarde amena de inverno,
onde sopra a brisa da chuva
emanando seu cheiro de ervas.

sábado, 5 de novembro de 2011

POBRE ODE DE MIM!


Sou um ser só!
Um ser somente!
Mas não sou um só ser,
porque ser sozinho
é minha sina constante.

Foi - me dado um caminho,
caminho diferente,
vereda singela,
vazia de gentes.

Eu caminho sozinho,
vou plantando sementes,
na vereda estreita,
no atalho sem gentes,

que a mim só permite,
chorando ou cantando,
perdendo ou ganhando,
olhar para a frente.

Não me foi permitido
esperar por ninguém,
e quem veio comigo
desitiu deste itento.

Meu caminho estreito,
não tem palco ou aplausos,
festas, danças, ribaltas,
glórias, nomes e status.

O meu prêmio já tenho,
mas pouquíssimos vêem
as sementes que descem
preparando as raízes.

Ficarei no silêncio,
no melhor da história,
e quando novo caminho
surgir de repente,

recoberto de flores,
perfumado de amor,
com seu coro de pássaros
a cantar seu louvor

gloriai a Deus Pai,
criador do caminho,
das sementes,
das flores
e do pobre poeta!

Amém!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

POEMA DA MOURA


Minha casa mourisca,
meus espinhos, minha vide,
minhas uvas, minha lide,
vinde e vede se existe.

Esta pele morena,
estes traços e dentes,
meus cabelos de noite,
não me fazem menor

que esta gente tão certa,
gente "civilizada",
que chama de bárbara
porque sou diferente.

O que teme esta gente?
À minha pele morena,
minha face serena,
meu olhar cor de mel,

aos meus passos cadentes,
meus quadris de serpente,
aos meus seios morenos,
perfumados de almíscar.

Temem ao meu silêncio,
e à minha ação,
ao meu raciocínio
e à minha canção.

PESADELO


Sobre o teto o epíteto mágico.
Sob o mágico a epítase máxima.
Para vê-lo eu subia no teto.
Para tê-la eu sorvia as mágoas.

Episódios passados no espelho,
pela lua de novo evocados,
com sua luz de passado distante,
melancólicos se me apresentavam.

E as fibras cardíacas loucas
pareciam, em si, ter neurônios;
pois doiam de novo os amores
e amavam as velhas "anônimas".

Uma febre surgiu ao revê-las,
as palavras trancaram-me a boca,
temerosas de virem à tona,
não querendo ser pronunciadas.

Mas dos olhos, que nunca enganam,
me caíram, copiosas, mil lágrimas;
e minha face sofrida expressou
aos fantasmas bem mais que palavras.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

ROMANCE NOTURNO


Beijei a boca da noite,
e ela contou-me os segredos:
de amores, esperas e vinhos;
de perdas, encontros e medos.

Quando ela me veio tão lânguida,
a pus nos meus braços de herói,
senti o seu corpo de cosmos
a me abrigar por inteiro.

Correram minhas mãos pela Noite,
corri o seu corpo inteiro,
despi sua veste de dama
fechada por sete botões.

E ela dançou para mim,
qual gata que brinca no cio,
no palco imenso dos astros,
suas formas de constelação.

E como tormenta perfeita
sorvi seu pescoço e seios,
perfumes,cabelos e colo,
calores, frios e raios,

girando em órbitas várias,
em êxtases, vórtices, vértices,
formas, não - formas, grandezas
luas,Quasares e estrelas

até uma nova explosão
que fez um outro universo,
selado por nossa união,
fechado por nossos segredos.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O RETORNO DA AGUIA



I

Caminho de Astúrias,
astúcias e antúrios,
de céu pontilhado
de astros que dançam.

Astutos segredos,
trouxeram ao degredo
a águia dourada,
das cinzas surgida.

Chegou envolvida
com o manto da noite,
em grande cortejo
de passos silentes,

que nem o caminho
de seixos rolados
sentiu os mil passos
dos seres que vinham.

Diáfanos seres,
etéreos, ligeiros,
fagueiros,suaves
qual brisa da noite

que amaina o calor,
surgere o sono,
alegra o tristonho
e cessa o furor;

trouxeram o ser
da guerra primeira,
de mil explosões
que deram ao céu
setenta estrelas.


II

Ela veio encantada,
levitando sob os seixos,
como a alma do riacho,
que, ali, corria, outrora.

Não sentiu que caminhava
e nenhum caminho via,
ao não o ser o que sonhava
n'alma clara como o dia

de uma terra onde a luz,
era o brilho do olhar
da amada que não via
desde as eras marciais.

Foi da foz para a nascente,
muito mais que o universo
que demora a retornar
para o ponto de partida....

VÍTIMA


Lívido lírio!
Exangue,
exânime,
extenuado.

Sobre a pedra deitado,
o lírio branco,
exalando perfume,
puro incenso,
oração dos mártires.

Sangue - semente,
Sacrifício - vida,
aparente derrota,
ininteligível
a quem não sabe amar!

Suas marcas ficaram,
no coração do carrasco,
lhe transpassando a alma
até a mais fina medula.

MINHA VIA PELO DESERTO


Meu grito ecoa no deserto.
Mas quem me ouvirá?
No deserto da indiferença,
o calor do ódio mata de dia
e o frio da noite endurece a alma.

Vou buscar a fonte eterna:
de olhos plenos,
coração feliz,
braços abertos
e abundância de dons.

Irei pelo deserto
da indiferença
que odeia de dia
e mata à noite.

Vai comigo O Guia
que vence a morte,
a indiferença,
o ódio do dia
e o frio da noite.

É a luz, a vida,
que passa despercebida
simples e despida
das insígnias que os homens
têm como honradas.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

CONSELHOS PERPÉTUOS


Acerte o preço.
Aprecie o certo.
Não dê prazo ao apreço.
Nem apresse o acerto.

Aperte o passo.
Não passe só perto.
Não perca o momento
oferecido.

Acorde cedo.
Acerte o acorde.
Afine os acordos,
mas conceda-se errar.

Aprenda com os erros.
Erre aprendendo,
por caminhos novos,
mas sem egoísmo.

Confesse as falhas,
colha as riquezas,
que vêm da grandeza
da vida gentil:

"Gentileza gera gentileza."

sábado, 29 de outubro de 2011

PEREGRINO


Enfado.
Fastio.
Estio.
Estiagem.

Viagem.
Ventura.
Vazio.
Voragem.

Estro.
Estroma.
Cica
e cio.

Fome.
Sede.
Tudo
e nada...

Só os meus passos perdidos
na longa estrada....

Oásis,
deserto,
areia
e miragem.

Fadiga,
tremores,
lesões
e bandagens.

Sem sangue,
sem água,
nem identidade,
eu vou com os grãos
desta tempestade.

SEDE


Tenho sede da beleza.
Não de beleza qualquer.
Mas daquela que me enterneça,
que me enlace, que me acolha.

Tenho olhos sequiosos.
Vivo a pedir atenção.
O que há de errado com os meus olhos?
São olhos negros de madrugada

que estão estão a pedir o teu sol,
tuas luzes, tuas cores,
teus matizes, teus amores,
teu humor, tuas flores

tuas curvas, teus caminhos,
tuas montanhas, teus abrigos,
sabores e beijos,
êxtases e sonhos.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

PRECE AO AMOR ETERNO


Antes da Hora: a vida.
Antes da vida: o amor.
Ante o amor, o antes,
na eternidade some.

Rápidas passam as horas.
São os trilhos da vida.
E ao Amor eterno,
quero agarrar-me, unir-me.

Peço-te, Amor eterno,
não me deixes perdido!
Quando passar a vida,
por sobre as horas idas,
quero ser um contigo.

TÉDIO


Na espera vaga,
tudo é virgem,
tudo espera
pelo começo.

A noite espera pelo dia,
o sono pela vigília,
o papel: a ferida da letra,
e a saudade: a boa notícia.

E a lente da preguiça tudo amplia:
o sono quer mais noites,
a letra: inspiração.

Vira a saudade melancolia;
e a boa notícia se perde
pelos caminhos da solidão.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

FLOR DO PRANTO

Lira alterada.
Pena cansada.
Silêncio.
Madrugada.

Frio e borrasca,
trovões e raios,
clarões e ribombares.

Linguagem estranha,
combinações diversas,
canções etéreas
no ar pesado.

Cheiro de terra,
vaporoso aroma,
sobem perfumes,
do chão fecundo.

E os sentidos,
ficaram buscando,
sinais de Tersa:
a flor do pranto.

O VIAJANTE



Rebento
pudendo,
ardendo,
podendo,
querendo,
e sendo
o verso esperado.

Averso
avesso,
atravessou
o universo
de minhas sextilhas.

Caiu do céu,
no mar da vida.
Levado foi até a praia
pelas correntes, pelo vento
até o pé da sexta ilha.

QUESTÃO


Por certo,
deveras,
de certo,
também.

Por vezes,
às vezes,
revezes,
me vêm.

E quando me chegam,
revejo pessoas,
lugares e tempos,
a me questionar
do certo e errado.

E quem poderá me dizer o exato?
A quem será dada a perfeita visão?
Só tenho a certeza de pobres segundos,
que fogem de mim, assim como chegaram!

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

CANÇÃO DE AMIGO


Fique comigo para ver auroras,
deite comigo neste pôr de sol,
sonhe comigo, junto de mim,
dentro de mim, una comigo.

Quero contigo ver um outro mundo,
que só teus olhos sabem enxergar.
Mostra-me a vida como a sabes ver;
eu, do meu mundo, já estou cansado!

Dá-me a ouvir a canção do teu riso,
a luz dos teus olhos para eu sondar
teu coração, candura que refaz,
pobres mortais do seu cansaço vil!

Longe de ti, sou solitária cor,
unido a ti sou mais do que pensava,
posso alcançar os cumes das montanhas
que, só aos céus, segredam suas almas.

sábado, 22 de outubro de 2011

CANÇÃO DA SARJETA

Canções da sarjeta,
murmúrios esparsos,
sussurros, risadas,
sombras ligeiras,

pilhérias, escárnios,
zombarias e mofas,
ironias e troças,
no escuro da casa.

Visões turvas, clarões,
sensações misturadas,
confusão dos sentidos
em torrentes intensas.

Descontrole total,
inconsciência, delírios,
em um corpo que expande
como o gás incontido...

VIOLÊNCIA


Eu ví lírios violentados
pelas mãos de quem os devia afagar.
Vi seu perfume espalhado pelo ar,
pagando a violência a beleza.

Ouvi o sorriso dos dessacralizados,
seus escárnios, suas pilhérias,
sua canções de dubiedades,
os seu gritos de tortura.

Chorei!
Chorei pelos Lírios violentados,
cantei minhas odes
e espalhei suas pétalas
sobre os rastros dos bandidos.

Reguei
suas raízes com minhas lágrimas,
confessei minha maldade,
libertei a minha alma
das vestes da ilusão!

Devo voltar à Notúrnia....

CONSELHO


Acerte a sorte para a hora certa,
venha que o trem já vem resfolegando,
pra estação da sorte certa para o dia,
quem ninguém sabe ou finge não saber.

Leva contigo o mapa dos teus sonhos,
preste atenção nas estações que passam,
escute a voz da moça da estação
cantando a sorte dos que vão chegando
pra não descer em estação errada.

E quando pois chegar ao canto certo,
acolhe tudo com o peito aberto.
Se te vierem receber sorri,
se te esquecerem na estação não chores,
vai conhecer a tua nova sorte!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

DELÍRIO NOTURNO


De longe o mar me trouxe os ecos,
de risos,beijos,sussurros,
murmúrios,juras, perjúrios,
no seu vai e vem de vida,
em seu vai e vem de mar.

Era densa noite escura,
de chuvas dançantes,
ventos sibilantes,
raios cintilantes,
e lua escondida

E qual um monumento eu fiquei
de olhos fechados,
ouvindo a canção
que plangia as cordas
do meu coração.

FIM


Fiquei aqui,
colhendo restolhos
tecendo com rebotalhos,
a história que me restou.

Chorei
ao ver que construi castelos,
docéis nimbíferos
que com meu pranto
doravante se esvaem.

Voltei
ao ponto de minha partida,
terra das incertezas,
de madrugadas longas
de frio recolhedor.

Lá fora
só ouço a brisa cantando,
seu canto de ermo imenso,
ninando minha mente cansada
de lutar com moinhos de vento.